O que se pretende com esta publicação é contextualizar episódios recentes que foram difundidos na mídia local, por ocasião da visita de representantes do Departamento Penitenciário (DEPEN) e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) ao Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) do estado de Sergipe, no dia 20 de outubro de 2015.
Não tomarei como surpresa, porém, o fato de algum leitor não perceber a
relação da linha editorial desse blog com a temática colocada nesse momento; por isso,
preventivamente, esclareço que o tema em questão guarda estreita relação com a Reforma
Psiquiátrica Brasileira, a qual foi instituída em nosso país a partir da Lei Federal nº 10.216, de 6 de abril de 2001, sendo necessária, para guardar sintonia com o Sistema Único de Saúde / SUS, o qual surgiu por força da Constituição Federal de 1988. De maneira geral, a Reforma Psiquiátrica Brasileira incorporou as reivindicações do Movimento da Luta Antimanicomial;
que se caracteriza pela luta pelos direitos das pessoas
com sofrimento
mental. Dentro desta luta está o combate à ideia de que se deve isolar
a pessoa com
sofrimento mental em nome de pretensos tratamentos; ideia baseada apenas
nos preconceitos
que cercam a doença mental. O referido movimento enfatiza que, como todo cidadão, estes indivíduos têm o direito fundamental à liberdade,
o direito a
viver em sociedade, além do direto a receber cuidado e tratamento sem
que para isto
tenham que abrir mão das prerrogativas de cidadãos.
Nesse sentido, o HCTP representa um equipamento do Governo Estadual, vinculado à
Secretaria de Estado da Justiça e de Defesa ao Consumidor que integra o
Sistema Prisional do Estado. Entretanto, não deve ser confundido com uma unidade prisional pois trata-se de uma unidade de saúde para onde são encaminhados indivíduos
inimputáveis que cometeram / cometem um delito penal. A esses sujeitos é aplicada a sentença definida como "Absolvição Imprópria" a qual declara que o fato cometido é típico e ilícito mas o
autor da infração penal é inimputável. Logo, não poderá cumprir pena pela conduta ilícita cometida e sim cumprirá Medida de Segurança, sob forma de internação compulsória ou de tratamento ambulatorial. É procedente observar que a medida de segurança não tem a natureza retributiva como a
pena; pelo contrário, a internação compulsória e o tratamento
ambulatorial aplicados ao inimputável ou semi-imputável devem ser considerados recursos terapêuticos objetivando a recuperação e reinserção social do sujeito e não
um castigo (Artigo 4º da Lei 10.216/2001).
Vista do muro da frente do HCTP em Aracaju-SE. Fonte: Televisão Sergipe S.A. |
A quase totalidade dos profissionais da saúde que atuam no HCTP são oriundos do Sistema Único de Saúde / SUS de Sergipe e desempenham as suas atividades neste lugar em função de um Termo de Cooperação assinado entre as Secretarias da Saúde e da Justiça. Esses trabalhadores, portanto, representam a presença ininterrupta do SUS na unidade hospitalar; o que contribui com as ações empreendidas pela direção da unidade no sentido do acolhimento e integração entre os internos, objetivando a ressocialização.
HCTP / área do banho de sol e de atividades físicas. Fonte: Televisão Sergipe S.A. |
Internos em passeio tutorado à praia de Atalaia. Fonte: Arquivo do HCTP. |
Internos em passeio tutorado ao Parque da Sementeira. Fonte: Arquivo do HCTP. |
Solenidade de formatura de internos. Fonte: Arquivo do HCTP. |
Internos envolvidos com o cuidado do jardim do HCTP. Fonte: Arquivo do HCTP. |
Sabemos que a Reforma Psiquiátrica Brasileira trabalha na perspectiva da substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos tradicionais por serviços abertos e competentes para disponibilizar tratamento e formas de atenção dignas e diversificadas aos problemas de saúde mental da população de todas as
faixas
etárias e apoio
às famílias, promovendo autonomia, descronificação e
desinstitucionalização. O êxito dessa reforma, entretanto, passa pela adequada articulação dos
serviços de saúde com serviços das
áreas de ação
social, cidadania, cultura, educação, lazer, trabalho e renda, etc. E, no principio e no fim dessa cadeia de produção de ações e serviços precisa estar o apoio irrestrito da sociedade na sua mais ampla dimensão. A questão é que estamos tratando de doença mental associada à prática delituosa ou seja, do louco infrator, e a loucura enfrenta exclusão e preconceito sociais, seculares.
O cenário aqui retratado, portanto, ilustra os desafios que os manicômios judiciários representam para a Reforma Psiquiátrica. Trata-se da construção de novo paradigma para um segmento historicamente situado à margem, inclusive do Sistema Público de Saúde, motivo pelo qual encontra resistência na rede de atenção extra-hospitalar de saúde mental, na rede SUS em geral, nas comunidades de origem dos pacientes e nos órgãos de justiça. Para tanto, o Ministério da Saúde vem apoiando experiências interinstitucionais bem sucedidas, que busquem tratar o louco infrator fora do manicômio judiciário, na rede SUS extra-hospitalar de atenção à saúde mental, residências terapêuticas, ambulatórios e centros de convivência, especialmente nos Centros de Atenção Psicossocial /CAPS; mas este processo, ainda em curso, não se dá sem dificuldades.
Por fim, a Lei nº 10.216/2001, mais conhecida como Lei Antimanicomial, representa um avanço, uma tentativa válida de emprestar dignidade e atenuar as limitações sociais, econômicas e as discriminações impostas às pessoas com transtorno mental em conflito com a lei. Entretanto, os adjetivos utilizados pelo representante do CNPCP em visita de inspeção ao afirmar - "... Aquilo não é um hospital, é uma prisão onde estão sendo depositados doentes mentais em condições desumanas. Eu como conselheiro vou propor a interdição” - configuram excessos verbais característicos de quem não se preocupou em conhecer com a devida profundidade a seriedade do trabalho que é desenvolvido e, consequentemente, não tem responsabilidade com a opinião que emite.
O cenário aqui retratado, portanto, ilustra os desafios que os manicômios judiciários representam para a Reforma Psiquiátrica. Trata-se da construção de novo paradigma para um segmento historicamente situado à margem, inclusive do Sistema Público de Saúde, motivo pelo qual encontra resistência na rede de atenção extra-hospitalar de saúde mental, na rede SUS em geral, nas comunidades de origem dos pacientes e nos órgãos de justiça. Para tanto, o Ministério da Saúde vem apoiando experiências interinstitucionais bem sucedidas, que busquem tratar o louco infrator fora do manicômio judiciário, na rede SUS extra-hospitalar de atenção à saúde mental, residências terapêuticas, ambulatórios e centros de convivência, especialmente nos Centros de Atenção Psicossocial /CAPS; mas este processo, ainda em curso, não se dá sem dificuldades.
Por fim, a Lei nº 10.216/2001, mais conhecida como Lei Antimanicomial, representa um avanço, uma tentativa válida de emprestar dignidade e atenuar as limitações sociais, econômicas e as discriminações impostas às pessoas com transtorno mental em conflito com a lei. Entretanto, os adjetivos utilizados pelo representante do CNPCP em visita de inspeção ao afirmar - "... Aquilo não é um hospital, é uma prisão onde estão sendo depositados doentes mentais em condições desumanas. Eu como conselheiro vou propor a interdição” - configuram excessos verbais característicos de quem não se preocupou em conhecer com a devida profundidade a seriedade do trabalho que é desenvolvido e, consequentemente, não tem responsabilidade com a opinião que emite.
Referências:
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. DAPE. Coordenação Geral de Saúde Mental. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental : 15 anos depois de Caracas. OPAS. Brasília, novembro de 2005.
Lei Federal nº 10.216, de 6 de abril de 2001 - Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
Matéria jornalística veiculada pela Televisão Sergipe S.A no dia 20/10/2015, acessível através do link http://g1.globo.com/se/sergipe/noticia/2015/10/conselheiro-do-cnpcp-vai-pedir-interdicao-de-hospital-de-custodia.html.
Pesquisa em políticas públicas no Estado de Sergipe. Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe. São Cristóvão: Editora UFS, 2014. pp323-344.
Lei Federal nº 10.216, de 6 de abril de 2001 - Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
Matéria jornalística veiculada pela Televisão Sergipe S.A no dia 20/10/2015, acessível através do link http://g1.globo.com/se/sergipe/noticia/2015/10/conselheiro-do-cnpcp-vai-pedir-interdicao-de-hospital-de-custodia.html.
Pesquisa em políticas públicas no Estado de Sergipe. Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe. São Cristóvão: Editora UFS, 2014. pp323-344.
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