As doenças, sobretudo as de etiologia microbiana, podem ser disseminadas a partir do favorecimento de fatores como a criação de uma nova rota de comércio, a abertura de uma nova estrada, o aparecimento de conglomerados urbanos, a falta de saneamento, o surgimento da agricultura, os movimentos migratórios humanos e animais, etc. Frequentemente, o homem é responsável pelo surgimento e disseminação de agentes infecciosos. Assim, a história da humanidade pode ser contada a partir de muitos pontos de vista e, talvez, um dos mais fidedignos seja o que relaciona à presença de micróbios patogênicos, sobretudo vírus e bactérias, e sua relação com a espécie humana. A figura ao lado representa um fragmento da capa do livro A história da humanidade contada pelos vírus; de Stefan Cunha Ujvari, publicado em 2012 pela Editora Contexto.
Fazendo uma retrospectiva, constataremos que epidemias e pandemias assolaram e dizimaram milhares de indivíduos humanos no passado, em épocas cujo conhecimento científico era insignificante para fazer frente à tais tormentos que assumiam status de calamidades públicas. Constataremos, também, que vetores, sobretudo artrópodes, foram fundamentais para o sucesso de entidades nosológicas como Trypanosoma cruzi (doença de Chagas), Anopheles darlingi (Malária), Haemagogus janthinomys, Haemagogus leucocelaenus e Aedes aegypti (Febre Amarela), Lutzomyia longipalpis (Leishmaniose), Aedes aegypti (Dengue, Febre Zica, Febre Chikungunya) o que corrobora publicação do Centro de Controle de Doenças (EUA) quando afirmou que desde o século XVII até início do século XX as doenças transmitidas por insetos produziram mais mortes do que todas as outras causas somadas (Duane Gubler - CDC).
Exemplos de cenários propícios para a reprodução do mosquito Aedes aegypti. |
Tratando-se especificamente da dengue, tem-se que é uma das mais importantes doenças reemergentes de etiologia viral no mundo. Até pouco tempo, constituía problema de saúde pública restrito aos países do Sudeste Asiático e da Oceania; mas a partir da década de 1980 a doença disseminou-se pelas Américas, passando-se a registrar vários surtos nos cinco continentes, principalmente em regiões tropicais. É, portanto, doença bem conhecida da comunidade científica e a sociedade possui boa informação acerca do ciclo evolutivo que envolve a existência de pequenas porções de água doce limpa e parada, temperatura ambiente amena e a presença de vetores biológicos, cujo principal representante é o mosquito Aedes aegypti e secundariamente o mosquito Aedes albopictus.
No Brasil, há evidências que apontam para ocorrência de epidemias de dengue desde 1846; mas as primeiras referências a
casos de dengue na literatura médica
datam de 1916, com registro que em 1923 um navio francês aportou em Salvador-BA com casos suspeitos, mas não foram relacionados casos autóctones nesta cidade. Foi a partir da década de 1980 que se iniciou o processo de intensa circulação viral com epidemias explosivas que atingiram praticamente todo o país, uma vez que aproximadamente 70% dos municípios brasileiros estão infestados pelo vetor e há registros de circulação dos quatro sorotipos virais (Den1, Den2, Den3 e Den4) distribuídos aleatoriamente nas regiões do país.
Oswaldo Cruz envolvido na rotina laboratorial. |
Por conseguinte, as políticas de controle do Aedes aegypti no Brasil remontam ao início do século XX, sendo emblemática a campanha de combate à febre amarela urbana na cidade do Rio de Janeiro (1902-1907), coordenada por Oswaldo Cruz, ocasião em que foram instituídas as brigadas sanitárias, cuja função era detectar casos de febre amarela e eliminar os focos de Aedes aegypti. A partir de abril de 1990 passou a existir a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) tendo como uma das atribuição a coordenação nacional das ações de controle da dengue vindo a executar, a partir de 1996, o Plano Nacional de Erradicação do Aedes aegypti (PEAr) cuja principal preocupação residia nos casos de dengue hemorrágica em função do maior risco de letalidade. O plano, elaborado pelo Ministério da Saúde, previa ação integrada com outros ministérios e foi dividido em nove componentes: 1) Entomologia; 2) Operação de campo de combate ao vetor; 3) Vigilância de portos, aeroportos e fronteiras; 4) Saneamento; 5) Informação, educação e comunicação social; 6) Vigilância epidemiológica e sistema de informações; 7) Laboratório; 8) Desenvolvimento de recursos humanos; 9) Legislação de suporte.
O PEAr não conseguiu atingir a meta que era reduzir significativamente o número de municípios infestados pelo mosquito a partir de 1998 e acredita-se que as principais causas do fracasso tenham sido a não-universalização das ações em cada município e a descontinuidade na execução das atividades de combate ao vetor. Mas avalia-se que o plano contribuiu para fortalecer o combate ao Aedes aegypti, uma vez que durante a vigência houve aporte considerável de recursos, embora os focos principais das ações de prevenção ainda fossem o uso de inseticidas e a eliminação de criadouros.
Passados mais de cem anos desde a campanha de combate ao mosquito, capitaneada por Oswaldo Cruz, a sociedade brasileira experimenta uma das mais severas fases nessa relação histórica com o Aedes aegypti, e as iniciativas, atualmente adotadas pelo poder público, parecem não conseguir fazer frente à reemergência da dengue clássica e a emergência da febre hemorrágica de Dengue, febre Zica e febre Chikungunya. O país está, portanto, submetido ao flagelo imposto pelo mosquito.
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Referências:
BRAGA, Ima Aparecida; VALLE, Denise. Aedes aegypti: histórico do controle no Brasil. Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília , v. 16, n. 2, jun. 2007.
GOMES, Almério de Castro et al . Ecologia de Haemagogus e Sabethes (Diptera: Culicidae) em áreas epizoóticas do vírus da febre amarela, Rio Grande do Sul, Brasil. Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília , v. 19, n. 2, jun. 2010.
Teixeira MG, Barreto ML, Guerra Z. Epidemiologia e medidas de prevenção do dengue. Informe Epidemiológico do SUS 1999; 8(4):5-33.
Revisão:
Texto revisado e aprovado na reunião ordinária do Núcleo de Produção Científica da Funesa (NPC-Funesa) realizada no dia 29 de janeiro de 2016.
BRAGA, Ima Aparecida; VALLE, Denise. Aedes aegypti: histórico do controle no Brasil. Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília , v. 16, n. 2, jun. 2007.
GOMES, Almério de Castro et al . Ecologia de Haemagogus e Sabethes (Diptera: Culicidae) em áreas epizoóticas do vírus da febre amarela, Rio Grande do Sul, Brasil. Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília , v. 19, n. 2, jun. 2010.
Teixeira MG, Barreto ML, Guerra Z. Epidemiologia e medidas de prevenção do dengue. Informe Epidemiológico do SUS 1999; 8(4):5-33.
Revisão:
Texto revisado e aprovado na reunião ordinária do Núcleo de Produção Científica da Funesa (NPC-Funesa) realizada no dia 29 de janeiro de 2016.